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segunda-feira, 3 de abril de 2017

PIOR SECA EM 73 ANOS TRAZ FOME E FAZ POPULAÇÃO DIVIDIR ÁGUA COM ANIMAIS


  Da porta de casa, um cenário desolador. O olhar atento de seu Antônio Ferreira do Sá se perde no horizonte em meio a um sentimento de angústia quando se percebe que o verde que dá vida à natureza a seu redor vai aos poucos desaparecendo, sendo devastado pela seca. De um lado, o solo árido não permite que as plantações vinguem; de outro, animais debilitados por fome e sede se reduzem a carcaças expostas aos urubus. É nesse contexto que o homem do campo de 70 anos, hoje um dos mais de 4,1 milhões afetados pela estiagem prolongada que assola a Bahia há cinco anos, tenta tocar a "vida pra lá de difícil", como ele mesmo diz.

O G1 mostra, em uma série de reportagens, uma pequena amostra da realidade vivida na região - e as muitas saídas que encontra para conseguir sobreviver. Confira aqui as histórias, contadas em cada um dos nove estados do Nordeste brasileiro.

Morador de Barrocas, no distrito de Maria Quitéria, pequeno povoado na zona rural de Feira de Santana, segunda maior cidade do estado (a cerca de 100 quilômetros de Salvador), Antônio precisa de uma pausa longa para puxar na memória se já viveu situação parecida. Mas não se recorda. "Tenho 70 anos e não lembro de seca aqui como essa. Ouvi falar de uma em 1932, quando nem tinha ainda nascido. A daquele tempo, segundo o povo conta, foi pior, porque morreram muito mais bichos e ficava todo mundo quase sem nada. Além disso, naquela época não tinha água da Embasa [Empresa Baiana de Águas e Saneamento] e hoje já tem".

O último período de estiagem "brava" de que o agricultor aposentado ouviu falar coincide com a época em que Graciliano Ramos publicava "Vidas secas" (1938), narrativa que se passa no sertão nordestino, marcado pelas chuvas escassas e irregulares, e conta a história do vaqueiro Fabiano, que, de tempos em tempos, era obrigado a se mudar com a família e a cadela Baleia de regiões castigadas pela seca em busca de sobrevivência.

A Feira de Santana de seu Antônio, apesar do apelido de "Princesa do Sertão" dado pelo também escritor Ruy Barbosa por ser a cidade mais importante do interior do estado, fica localizada no agreste baiano, mas a "miséria" e a "desumanização" de que fala Graciliano para descrever os impactos da estiagem no sertão nordestino à época podem muito bem ser aplicadas à realidade atual de moradores do município.

O Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia (Inema) atesta que, desde que passou a reunir maior volume de dados meteorológicos, a partir de 1960, não houve estiagem como a vivida hoje. Mas a última seca tão prolongada e perversa como a atual, segundo dados oficiais, ocorreu mesmo antes do nascimento de seu Antônio, só que na década de 40. O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, crava que o quadro atual, não só na Bahia como em todo o Nordeste, é o pior em 73 anos – o último período crítico, segundo o órgão, durou três anos, entre 1941 e 1944.

Como reflexo da estiagem, conforme a Superintendência de Proteção e Defesa Civil (Sudec), a Bahia está atualmente com 218 dos seus 417 municípios com situação de emergência decretada – 21 deles com racionamento de água. A situação crítica aflinge pequenas e grandes cidades, como Feira de Santana, Vitória da Conquista, na região sudoeste, e Juazeiro, na região norte.

O rastro da seca começa a ser percebido logo quando se sai do centro da cidade e se pega uma estrada de terra que leva até o povoado de Barrocas, no distrito de Maria Quitéria, onde moram Antônio e outras cerca de 200 pessoas. Em toda a zona rural de Feira de Santana, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), vivem 64 mil dos cerca de 618 mil habitantes do município. De carro, o trajeto pode ser feito em cerca de 40 minutos. No percurso, é possível observar vegetação e aguadas secas, além de animais mortos.

A Embasa informou que estão sendo testadas intervenções para regularizar e ampliar o abastecimento de água fornecida à localidade. Segundo a empresa, uma das medidas a serem adotadas será a duplicação de 16 km de adutora para parte da zona rural da cidade (distritos de Tiquaruçu, Matinha e Maria Quitéria) e para os municípios de Santa Bárbara, Tanquinho e Santanópolis, que, assim, como Feira de Santana, estão com situação de emergência decretada pela estiagem. A obra, conforme a Embasa, está prestes a ser licitada, com investimento de R$ 4,7 milhões.

Poucos passos à frente, seguindo o trajeto pela zona rural de Feira, o também agricultor Ademário de Jesus, 48 anos, dá farelo de milho e água em um tonel a seu cavalo, "Chocolate", na beira de estrada. A alimentação é para que o animal aguente mais um dia. Viaja puxando uma carroça por cerca 1,5 km por dia com o dono em busca de trabalho e água em tanques que ainda resistem à seca.

"Ontem, estava limpando tanque, mas hoje a gente não foi porque trabalho tá difícil. Com uma seca dessa aí, quem tem condição de pagar a gente? Eles [os fazendeiros] dizem que não têm dinheiro. O negócio parou e a gente não acha nada, nem na roça e nem na cidade", afirma, enquanto mostra, entristecido, áreas que seriam de plantio completamente secas.

A maioria dos moradores ali pratica a agricultura de subsistência, que tem como principal objetivo a produção de alimentos para suprir as necessidades das próprias famílias rurais – quando o tempo é bom, muitos ainda ganham dinheiro vendendo a produção para o mercado interno. Segundo o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Feira de Santana, José Ferreira Sales, o município possui mais de 20 mil agricultores, que têm na chuva a única esperança por dias melhores. Quando ela não vem, não só a sede como a fome bate à porta.

Nesse ano, não adiantaram sequer os pedidos de chuva dos moradores feitos à São José, santo padroeiro da região que na crença cristã foi o esposo da Virgem Maria e o pai adotivo de Jesus. A tradição de plantar durante o mês de março, em que se comemora o dia do santo, para colher no São João, em junho, é centenária. Por isso, anualmente, os agricultores preparam a terra, compram sementes e aguardam ansiosos a chuva cair desde o final de cada ano.

Com os planos frustrados, um clima de tensão toma conta dos agricultores. De acordo com a Estação Climatológica da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), choveu muito pouco nos dois últimos meses no município: somente 5 milímetros, enquanto eram esperados 50 milímetros. E também não há previsão de chuva forte durante o outono. Desde 2011, a prefeitura publica, seguidamente, decretos de situação de emergência. O último, em vigor atualmente, foi em agosto de 2016.
A gente já percebe as pessoas sofrendo com a falta de água e passando dificuldade de alimentação. Hoje, não dá nem para identificar qual a área mais afetada. Todos os distritos sofrem por igual"
José Ferreira Sales, presidente do Sindicato dos Tabalhadores Rurais

O Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) diz que a redução das chuvas já vem sendo observada desde 2010 na Bahia, mas foi a partir de 2012 que a situação se agravou.

Desde o ano passado, no entanto, apenas em janeiro de 2016 foram observados volumes de chuvas acima da média. A partir de então, o predomínio foi de precipitações abaixo do esperado em todas as regiões.

No período entre fevereiro de 2016 e janeiro de 2017, as chuvas no Recôncavo baiano ficaram entre 40% e 60% abaixo da média. Já no semiárido, como em algumas localidades do médio São Francisco, o déficit chegou aos 80%.

"A seca afeta muito a vida. Esse ano, até plantei milho, feijão, batata, aipim. Tudo morreu. Com o sol desse jeito, eu estou vendo que só Deus mesmo para mandar um milagre para que a gente possa plantar. Não podemos fazer nada, só esperar", diz Ademário.

A água 'verde'
Não muito longe dali, no povoado de Santa Bárbara, distrito de Bonfim de Feira, vive a lavradora Bernadete Nascimento Nery, 46 anos. Solteira, ela mora numa casa simples com os cinco filhos, de 5, 10, 14, 17 e 20 anos. Durante cerca de seis meses, enquanto o reservatório de água de mais de 10 mil litros que tem no terreiro de casa esteve seco, a família foi obrigada a consumir uma água suja, de cor esverdeada, de um tanque localizado a cerca de 300 metros da residência.

Três dias antes de a equipe do G1 visitar a localidade, um carro-pipa tinha passado por lá, depois de cerca de quatro meses sem aparecer, segundo moradores, e abastecido a cisterna de Bernadete, que nunca teve rede de água encanada. Foi, então, que ela suspendeu o consumo da água verde. No entanto, teima em deixar na geladeira uma jarra da água barrenta do tanque por medo de o carro-pipa não voltar.

"Eu passei seis meses tomando essa água. Tem gosto de pé de animal. A gente ia lá [no tanque], pegava, coava num pano de prato, fervia no fogão de gás para matar os micróbios e colocava na geladeira. Dava para beber. Não tinha outro jeito. A gente ia viver como? Com sede era que a gente não podia ficar, não é? E também dava para cozinhar, lavar, dar banho nas crianças. Por não ser uma água tratada, medo eu tinha de beber. Sempre a gente tem diarreia e descobri um pequeno caroço no fígado, um nódulo, mas não sei se foi por causa da água. Agora, graças a Deus, esse carro-pipa passou e amenizou a situação da gente depois de tanto a gente pedir para a prefeitura", destacou. Feliz, ela mostra a diferença da coloração da água suja do tanque que bebia e da "boa" que tinha acabado de chegar.

A presidente da associação comunitária de Santa Bárbara, Geisa da Conceição dos Santos, diz que praticamente todos os moradores da região vivem situação parecida com a de Bernadete. "Quando a seca vem desse jeito, fica péssimo. Muitos que viviam da agricultura, trabalhando nas fazendas, da destoca, da fazeção de cerca, hoje não tem esse tipo de trabalho porque os fazendeiros também não têm como fazer esse tipo de serviço. Sobre o abastecimento, como não chega água em todas as torneiras, fizemos o pedido de alguns carros-pipa para as famílias e já começamos a ser atendidos. Eu espero que continue assim, que não pare somente por aqui", destaca.

A prefeitura de Feira de Santana informou que montou uma força-tarefa para abastecer com água potável áreas da zona rural não cobertas pela rede de abastecimento regular. A administração municipal disse que mantém, com a Defesa Civil, 12 caminhões-pipa em operação e que conta com o apoio do Exército. Diariamente, segundo a prefeitura, os veículos levam entre 30 mil litros a 40 mil litros de água aos moradores. No povoado de Bonfim de Feira, a prefeitura informou que a oferta é ainda maior e que, desde meados de março, os moradores passaram a receber 72 mil litros por dia. A administração municipal disse que a comunidade recebe, diariamente, dois caminhões abastecidos com 18 mil litros de água e que cada um faz duas viagens por dia.

"Essa comunidade possui água encanada em quase toda sua extensão. Mas por algum problema na empresa prestadora de serviço, o abastecimento foi interrompido. Por conta disso saímos de nossa rotina de abastecimento em outros distritos e vamos reforçar nessa região. Temos também o apoio da Defesa Civil nessa situação", afirmou o secretário de Agricultura, Joedilson Machado, por meio de nota. Ele disse, ainda, que o abastecimento obedece a ordem de pedidos que chegarem à secretaria.

A Embasa informou que a distribuição de água para o distrito de Bonfim de Feira acontece, atualmente, de forma alternada com outras localidades da região. A empresa ainda destacou que inaugurou, no dia 17 de março, a obra de ampliação do sistema integrado de Santo Estevão, que abastece Bonfim de Feira e outras localidades de Feira e municípios vizinhos, e espera que o fornecimento passe a ocorrer com maior regularidade. Alan Tiago Alves Do G1 BA